O médico, o doente e o filósofo
O Médico, o Doente e o Filósofo, de
Jacqueline Lagrée
Este é um livro escrito por uma
professora de história da filosofia e membro da comissão de bioética de Rennes,
Jacqueline Lagrée. O seu conteúdo versa sobre as particularidades da relação
médico-doente, sob a perspetiva lúcida, questionadora e transformativa de um
filósofo.
As palavras que introduzem esta obra pertencem ao conhecido texto do século IV,
o Juramento daquele que foi médico, filósofo e revolucionador da Medicina, do
seu passado até ao nosso presente – Hipócrates. Além deste conhecido filósofo
são citados vários outros ao longo da obra, alguns afetados pela doença, como
Pascal, que escrutinaram esta entidade sob o ponto de vista próprio do
doente-filósofo. Também a ética de Spinoza e a moral de Kant são mencionados
nesta obra, firmando as bases da perspetiva social deste conceito fulcral que é
a doença.
“A filosofia apresentou-se durante muito tempo como uma medicina da alma”
“A doença é a paragem, o bloqueamento de um sistema no interior do todo, que
impede a fluidez da vida. Mas é também a contradição em vias de ser superada. O
movimento de passagem da natureza ao espírito.”
Jacqueline Lagrée inicia o seu livro mostrando claramente que há perspetivas
independentes e bastante distantes umas das outras acerca da saúde e da doença.
Frequentemente, o médico, o doente e os seus próximos, encaram a doença como os
viajantes que, chegados ao Egipto, observam a grande pirâmide: “Cada um não
capta dela senão a face pela qual ele a aborda e, em virtude de não a ter
sabido contornar, crê que o seu ângulo de visão é o único e o bem”. Sob a
luz de um pensamento filosófico poderemos conhecer e contornar as diferentes
faces da pirâmide, melhorar a relação entre os diferentes observadores e mesmo
promover um crescimento pessoal de cada um.
A concretização desta filosofia prática observa-se no título do primeiro
capítulo: “Quem é aquele que se trata?”. Um pensamento de procura da
verdade inicia-se com questões fundamentais, frequentemente inquietantes, que
fazem parar o movimento desenfreado da vida automática, como esta: Quem
é aquele que se trata? Cada indivíduo, a dada altura, tem uma razão
própria para procurar tratamento, não sendo necessariamente doente. Respondendo
a esta complexa questão, a autora do livro define claramente o conceito de indivíduo:
aquele “que não pode ser dividido sem ser destruído”, e o de pessoa:
“o rosto, e a seguir a máscara de teatro, e, através dela, a personagem
desempenhada pelos atos”. Esclarece-se, assim, que ninguém deve ser
reduzido às capacidades manifestadas numa dada situação pontual. Uma pessoa é
uma personagem criada na interação de máscaras. É muito mais que essa máscara,
é muito mais que uma cabeça, um fígado, um rim,…, que uma bata, um bisturi ou
uma receita. Um individuo é uma complexidade única, da qual só é percetível
aquilo que nos é dado conhecer, e aquilo que estamos dispostos a procurar.
Portanto, aquele que se trata não é apenas um doente, é uma pessoa. Esta pessoa
pode, ou não, achar-se doente; pode, ou não, estar fisicamente doente. E tudo
isto modifica a forma como se encara a si mesma, à doença e ao médico que
procurou para se tratar. A mesma face da pirâmide pode ser observada de
diferentes maneiras, por diferentes olhares.
«A doença é qualquer coisa que me
acontece a mim e à qual eu reajo “provocando uma doença”»
Muito embora na generalidade dos casos seja o corpo biológico o alvo do
tratamento “o corpo é, para a pessoa, o seu bem, mas um bem indisponível
como o são a cidadania ou a sua liberdade”. Este corpo não é, portanto,
propriedade de ninguém, nem do próprio que nele debruça a sua consciência. Não
é, também, neste corpo material que radica toda a verdade e toda a ação de
investigação e de tratamento. Um indivíduo, em qualquer altura, deve ser
encarado no seu todo, uma vez que “a pessoa humana não se compreende senão
na articulação de três planos distintos mas ligados; o plano biológico do
indivíduo, (…) o plano relacional do seu ser com outrem, (…) o plano simbólico
da inscrição numa cultura, numa língua, numa tradição…”. O corpo biológico,
emocional, social e cultural de uma pessoa não são posse de ninguém e devem
estar acima de qualquer interesse ou julgamento. Respeitando esta ideia
afirma-se, de facto, a dignidade humana. A este propósito a autora cita o
tratado político de Spinoza «não censurar, não lastimar, não dizer mal, mas
compreender», e a segunda formulação do imperativo fundador da moral de
Kant: «afirmar a dignidade da pessoa é lembrar que “eu devo tratar sempre a
humanidade, na minha pessoa e na do outro como um fim em si e nunca
simplesmente como um meio”», mostrando que a compreensão do indivíduo é o
fim para o qual se articulam, médico e doente, por meio da medicina. Esta
compreensão da pessoa mostra a existência de respeito, não só por ela, mas pelo
que é o ser humano, mostra que vale a pena e eleva-a acima de todas as coisas
que povoam o planeta e as mentes. A medicina é esta arte/ciência que radica na
compreensão do individuo na sua total complexidade, dignificando o conceito
humano. Retomando a metáfora da pirâmide, este conceito humano é a aresta que
une a face da pirâmide observada por aquele que se acha doente, e a face
observada pelo médico que o quer tratar, duas perspetivas diferentes
encontram-se numa única linha, composta de infinitos pontos, mas bem
delimitada.
O individuo que se trata é
alguém que se quer conhecer a si próprio, e o indivíduo que o trata é alguém
que deseja conhecer o próximo e ajudá-lo a conhecer-se a si mesmo. O encontro
destes investigadores da verdade dá-se frequentemente através de uma consulta.
O que é uma consulta? Segundo a autora, uma consulta é “o momento e o ato de
ir consultar, isto é, tomar parecer, conselho, junto de um especialista”.
Um especialista não é, portanto, algum ente solucionador de males alheios, é
alguém que, por se debruçar sobre determinado assunto, pode aconselhar o seu
igual, de forma a torná-lo mais lúcido e conhecedor da verdade. Alguém que
procura tratar-se procura, antes de mais, esclarecer-se sobre o seu mal, estar
a par dele, antes de se decidir por tratá-lo. A renúncia ao conforto da
ignorância, a procura da verdade, é o que caracteriza o ato de consulta. O
doente torna-se assim um filósofo, junto com o seu médico, pois ambos procuram
sair das sombras, em direção à luz da verdade. A aresta da pirâmide, que une o
olhar destes dois viajantes, pode começar a ser escalada, desde a sua base,
junto à terra, até ao seu vértice, onde a fusão das perspetivas é perfeita. Os
dois planos isolados, que se encontravam ocasionalmente numa linha, composta de
infinitos pontos, transcendem-se e passam a existir e a coexistir num único e
absoluto ponto.
«Quando um paciente ultrapassa o limiar do meu gabinete, é uma pessoa
que entra; quando sai, é um mistério» Marie Balmary (psicanalista)
A história da Humanidade está repleta de aventurosos que procuram a solução
para os mistérios da Natureza. E, tal como diz a autora, “um mistério
permanece para sempre encoberto, um segredo pode-se descobrir, divulgar ou
partilhar”. Médico e Doente partilham o mesmo segredo, algo privado e
confidencial, a que mesmo os mais próximos não têm acesso. Ambos se reclinam
sobre este segredo da natureza, procurando deslindá-lo. Nesta procura,
instaura-se uma confiança inédita nas relações humanas. Algo de sagrado os une
e, através deste laço, ambos partilham a mesma finalidade última,
legitimando-se atos diagnósticos invasivos e tratamentos de enorme violência
para o corpo. O médico é privilegiado, como em nenhuma outra profissão, por
poder realmente escutar outras pessoas. A ele se abrem as portas secretas do
interior de cada um, para que possa entrar e ajudar no caminho de
procura. Aquilo que para nós é mais importante e basilar, guardamo-lo,
escondemo-lo dos restantes que poderão reduzi-lo à insignificância. É através
deste segredo que se respeita, onde se nega a banalidade do que se revela, que
surge o “berço” da relação médico-doente. Na nossa construção metafórica
piramidal, é a base da aresta que une a face do médico com a face do doente.
O doente que se expõe e partilha o seu segredo vive um momento de crise. A
autora recorre novamente a Hipócrates para clarificar este conceito: “a
crise é o momento singular em que o mal atinge o paroxismo e em que o
tratamento adequado produzirá o efeito máximo. É o momento do discernimento, do
juízo, e da decisão”. É neste preciso ponto da vida que incide a luz, que o
adormecimento quotidiano cessa e há a possibilidade de evolução. Pois que, a
saúde é “a vida no silêncio dos órgãos, que a doença vem perturbar”. A
saúde é um sonho de liberdade e eternidade que atordoa e desvaloriza a própria
vida. Perdemos noção da nossa característica efémera e frágil, perdemos as
nossas prioridades, o nosso sentido na vida, a força que nos faz percorrer o
nosso caminho. Adormecemos em plena caminhada, perdendo o rumo e a lucidez.“
A vida, em bom estado de saúde, é auto-justificativa: marcha normalmente por
si. O estado de doença abala esta convivência espontânea com o meu corpo e o
meu mundo”. Contrariamente, a crise que se instaura na doença é uma
rotura, uma chamada de atenção sobre nós mesmos. Na doença o corpo torna-se uma
prisão - não somos livres -, e o presente torna-se mais intenso pelo
distanciamento nostálgico do passado saudável e do futuro interrompido – não
somos eternos. A aparente prisão da doença, por nos mostrar a transitoriedade e
mutabilidade do mundo físico, por suscitar uma rotura entre a consciência e
este corpo que se rejeita, traz-nos mais para o nosso centro, para o correto
ponto de vista do nosso Eu interior, que se mantém sempre o mesmo e se
evidencia nesta dissociação da alma com a matéria. Frequentemente o corpo é
apenas o intermediário entre a nossa vontade e o mundo onde agimos. Ele
transforma aquilo que é próprio da mente e da alma em ações presentes no mundo
concreto. Este corpo, quando saudável, torna fluida esta transformação, e
raramente é alvo de preocupação. Temos a noção de ter tudo ao alcance de uma
vontade. Quando a doença desarmoniza este corpo, este deixa de ser
transparente, para ser mais compacto e, as vontades da alma, em vez de fluírem
por ele acionando-o sobre o mundo externo, esbarram nesta parede compacta.
Deixamos de nos reconhecer no nosso corpo, quando doentes, perdemos a
capacidade de exercer a nossa vontade, e rejeitamos esse corpo que não cumpre a
sua função. Fechados num corpo que rejeitamos, o que nos resta fazer senão
observar a própria alma, nunca antes observada por fugir fluida e sem atrito
para o mundo concreto?
“E, no entanto, no seio mesmo da doença opera-se uma reconstrução, uma
reorientação destas funções e destes processos que constituem a vida.”
“A doença é este momento crítico que pode ser estéril se todas as nossas
referências se abaterem ou fecundo se nos convida a repensar a nossa vida para
a viver mais intensamente ou torná-la propriamente mais nossa.”
Nesta linha de pensamentos, a autora cita Blaise Pascal, matemático francês,
afetado por uma doença crónica que lhe causava grande sofrimento e que o levou
a questionar as bases da vida humana: «Nunca vivemos, mas esperamos
viver. E, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos»;
«Os homens não tendo podido curar a morte, a miséria, a ignorância,
consideraram sensato, para se sentirem felizes, nunca pensar nisso.».
Vivemos cada minuto da nossa vida esquecendo-nos que iremos morrer. Escondemos
esse facto de nós mesmos, para que, sem essa pressão de contra-relógio,
possamos calmamente adiar as decisões e as ações que nos custam. A ilusão de
eternidade é a cortina que nos esconde da nossa vida real. E a sentença da
doença é o momento ideal para se ganhar coragem e perscrutar para além da
cortina. Já não temos uma eternidade e uma infinidade de destinos a perder.
Quantas vezes, no silêncio do nosso lar, inundados por infinitas possibilidades,
múltiplas coisas que gostaríamos de fazer, nos deitamos a dormir. Se nos
dissessem ser a nossa última noite, as dúvidas desvanecer-se-iam, pois, ínfimas
são as coisas que no nosso íntimo nos fazem felizes. A doença, ao limitar-nos,
é uma bênção, porque nos reorienta e imediatamente nos traz mais consciência. A
nossa atenção foca-se apenas no que se passa no nosso interior, esquecendo o
tumulto lá de fora. Como um caracol, na iminência de um perigo, recolhemo-nos
na nossa concha interior e encontramo-nos connosco mesmos. Conhecedores de nós
mesmos, podemos, pois, tornar-nos possuidores da nossa vida.
“Sabedorias antigas tomavam a peito desenvolver uma “arte de morrer” que
fosse ao mesmo tempo uma purificação do medo de morrer e uma preparação para
uma passagem para o além. A nossa época, ao invés, oculta tanto a dor como a
morte. Parece que há no futuro qualquer coisa de insuportável e de indecente no
facto de se padecer de um mal, e esconderem-se os moribundos em espaços
médicos”
«Se o homem fosse uno, jamais sofreria; porque onde estaria, para este ser
simples, a causa do sofrimento?» (Hipócrates)
Jacqueline Lagrée apresenta também a resposta da filosofia estoica para o
sofrimento: «dor, jamais aceitarei dizer que sejas um mal!». Para os estoicos a
dor física não deve ser alvo de interesse, mas apenas os males morais e as
angústias da alma. Devemos dominar as nossas representações “pela distinção do
que depende de nós do que não depende”. «O que perturba os homens, não são
as coisas, mas os juízos relativos às coisas; assim, a morte não tem nada de
assustador porque Sócrates, ele também, a teria, nesse caso, considerado como
tal; mas que se julgue inquietante, isso é que inquieta. Quando, portanto,
somos contrariados, perturbados, afligidos, não incriminemos nunca os outros,
mas sim a nós próprios, isto é, os nossos próprios juízos. É o que sucede
quando um ignorante acusa os outros dos seus próprios fracassos; aquele que
começou a instruir-se acusa-se a si mesmo; aquele que é instruído não acusa ao
outro nem a si.» (Manual de Epicteto).
Podemos aprender, sob a luz da filosofia estoica, a encarar o sofrimento,
geralmente inerente à doença. Este tem origem nas circunstâncias externas à
nossa concha interna, porque o nosso corpo e o que ele apreende do mundo
externo, não somos nós, não dependem de nós, da nossa vontade e, por isso, não
lhes deve ser dada importância. Devemos atender sim, à forma como apreciamos e
julgamos o que nos é externo, porque isso sim, depende de nós. O sofrimento
advém de sermos demasiado vulneráveis ao mundo externo em constante mudança,
que nos impõe regras de como devemos ser, conforme os costumes da época. Se não
tivermos um centro, em nós, como referência constante, balançamos como uma
folha caída da árvore, ao sabor do vento. Somos arrastados pelos sentidos,
pelas nossas representações, toldados pela dor física, arrastados pelo
enfraquecimento, enfurecidos pelas emoções, cegos pelos desejos. Em nós mesmos,
no nosso profundo ser, devemos procurar as respostas, e, aí, não há sofrimento,
porque aí dependemos apenas de nós mesmos. Podemos ser livres, mudando a
perspetiva, o enfoque, para dentro. A dor não é um mal nosso, é algo que existe
fora de nós, e atendendo a ela, sofremos. Mesmo no extremo das nossas
inquietações, na morte, a filosofia estoica encara-a como um chamado de deus,
algo digno dos sábios: «Pode convir a pessoas felizes abandonar a vida e
inversamente a infelizes manterem-se nela» - (Plutarco). Sendo a vida um
caminho de aprendizagem, de procura, e tendo o sábio aprendido a lição
encontrando-se, poderá, pois, morrer, tendo-se cumprindo a sua tarefa em vida.
“O estoicismo não é tanto uma
aproximação da morte, mas uma meditação da vida”.
Um outro doente filósofo foi
Montaigne, que descreveu a sua aprendizagem de não recear a dor e de não recear
a morte: «É incerto o lugar onde a morte nos espera, esperemo-la então em
todo o lado. A premeditação da morte é a premeditação da liberdade. Quem
aprender a morrer, desaprendeu de servir. O saber morrer liberta-nos de toda a
sujeição e constrangimento». Lembrando-nos de que podemos morrer,
concentramo-nos no nosso essencial e descobrimos aí, a maior das liberdades, a
liberdade da nossa alma. Aprender a morrer é assim, aprender a viver a vida
interior.
«A morte não é considerada como um
aniquilamento mas como uma transfiguração, uma “forma de parto de si” neste
trabalho interior de fim de vida que é como uma tentativa de se entregar ao
mundo antes de desaparecer» (Michel de M’uzan)
“A morte transforma a vida do homem
em destino” (Malraux)
A doença, sentença de morte, pode ser, para o individuo doente, a
oportunidade da prática da filosofia ativa que dará sentido à sua vida. A
doença acorda o individuo do seu entorpecimento e, a medicina, tratando este
individuo, permite que este tenha tempo e condições para se descobrir a si
mesmo. “Cabe à filosofia, sem dúvida, lembrar-nos que somente o presente é o
nosso tempo mas, em contexto de doença, cabe à medicina ajudar-nos a manter o
futuro aberto, não somente mantendo uma vida desfalecida mas deixando sempre um
pequeno lugar à esperança, e ao projeto.” A saúde será sem dúvida mais bela e
proveitosa depois da doença.
O médico é, assim, um ajudante da transmutação alheia mas, como
testemunha deste fenómeno, ele próprio encontra pistas para se descobrir a si.
O agir sobre a doença é, para o médico e para o doente um ato de transformação
recíproca. Porque “agir designa uma atividade em que o sujeito se produz a
ele próprio na sua atividade” diferentemente do fazer ou produzir alguma
coisa. Em cada doente que deposita em si a sua confiança e o seu segredo,
encontra mais uma pista que mostra o caminho que tem de seguir para encontrar a
verdade.
«A ciência médica é a única que não produz absolutamente nada finalmente, mas
deve expressamente articular-se com esta prodigiosa capacidade da vida, a
regenerar-se a ela própria e a reaprender-se a si mesma» (H. G. Gadamer)
A autora desta obra termina com a enumeração de virtudes humanas específicas
que, segundo a mesma, nascem da relação triangular entre o doente, o seu médico
e os que lhe são próximos:
Virtudes da inteligência:
· Lucidez - “a coragem de olhar a verdade
de frente sem querer iludir-se”.
· Humildade - “consciência lúcida de que
somos filhos da terra (húmus) antes de sermos filhos do céu”.
“Compreensão da nossa finitude e aceitação da existência de limites”.
· Fidelidade - “saber descobrir em si a
linha firme e simultaneamente flexível, que permanece atrás das variações
melódicas da vida”.
Virtudes
da força:
· Coragem- “capacidade de superar o medo, que
separa a realidade do que se projeta sobre ela”.
· Constância – “capacidade de permanecer
fiel a si próprio, de prosseguir um projeto de vida, de defender os valores que
temos por essenciais”. “Os seus frutos são a paz da alma ou ataraxia, a
verdadeira coragem e a ligação ao momento presente”.
Virtudes
da presença:
· Paciência – “arte de superar o tempo, de
o deixar correr afrouxando a sua captação, renunciando ao seu domínio total”.
“Apenas é virtude se se acompanhar de duas atitudes: a vigilância do instante;
e a preocupação consigo”.
· Simplicidade– “amor da clareza, da
inteligência que reconduz o complexo ao simples”. “Virtude da unidade de si
mesmo, das suas forças e fraquezas para poder gostar de si simplesmente, sem narcisismo
ou idolatria”.
Virtudes
da relação:
· Doçura– “Designa o dom da paz, a
solidariedade ativa e generosa, independentemente das condições e das
circunstâncias”. «Disposição de acolher outrem como alguém a quem se quer bem»
- (J. de Romilly)
· Escuta– “Dispor a orelha para ouvir.
Pressupõe, para que seja eficaz, o silêncio”.
· Solicitude– “Capacidade de ter preocupação e
cuidado com o outro. Ela comporta uma parte discreta de troca e de
reciprocidade”.
O que faz o laço e o alicerce de
todas estas virtudes é a amizade para com o outro e
para consigo mesmo. “O amigo é aquele com quem partilho pensamentos,
sentimentos, gostos valores, práticas; aquele que me apoia quando falho e de
quem recebo algo sem obrigação de retribuir.”
A doença não é uma maldição. É um ponto de viragem no caminho de uma
pessoa que suscita um pedido de sentido em relação à vida. O médico que
compreende esta pessoa, mais do que tentar explicar ou extirpar um mal, elucida
um sentido, agindo sobre si próprio por colocar questões ao seu próprio
caminho. Unidos nesta busca, ambos agem reciprocamente numa relação ativa e
pacífica. A doença acordou-os da harmonia entorpecedora e estas duas
consciências debruçam-se agora sobre cada instante da vida, pacientemente.
Deste seu ponto de vista central e simples, sobre o qual todo o mundo roda e se
complexifica, o objetivo é claro, o projeto de vida define-se concretamente. O
que é essencial distingue-se claramente do que é supérfluo. As fundações do
castelo que se quer construir, que é a própria vida, definem-se bem agora. Mas
é preciso construir a obra, por em prática o projeto fielmente.
É pois, no seio desta relação de confiança, que se estabelece o apoio e
o testemunho necessários à superação do medo de falhar, do medo que sempre
existe espreitando cada ação de transcendência. Fieis ao seu projeto, com os
pés bem assentes na terra, ambos recebem a bênção da verdade, da lucidez que
afasta as obscuridades e sombras. Ambos encontram pequenos clarões de
felicidade.
A doença, se encarada como uma a pedra no caminho, utilizável para
construir o nosso castelo, tal como diz Fernando Pessoa, é pois, a melhor
ferramenta que podemos encontrar para nos conhecermos e para nos construirmos.
O Médico, o Doente e o Filósofo, constituem uma trindade que encara a
doença sob diferentes perspetivas e que, unindo-se, transcendem-se.
Joana
Moreira