O Grande Paradoxo
Viver no Eterno e Vigiar o que é Momentâneo
Helena P. Blavatsky
--------------------------------------------------------------------------------
O texto abaixo foi publicado pela primeira vez
em 1887. É traduzido de “Collected Writings of
H.P. Blavatsky”, TPH, India/USA, volume VIII,
pp. 125-129. Título original: “The Great
Paradox”.
Alguns estudantes consideram “O Grande Paradoxo”
um dos textos mais importantes da filosofia
esotérica.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
O paradoxo parece ser a linguagem natural do Ocultismo. Mais
do que isso, ele parece penetrar profundamente no coração das coisas, e assim
parece ser inseparável de qualquer tentativa de colocar em palavras a verdade,
a realidade que está na base das aparências externas da vida.
E o paradoxo acontece não somente nas palavras, mas na ação, na própria
conduta da vida. Os paradoxos do ocultismo devem ser vividos, não falados
apenas. Aqui reside um grande perigo, porque é muito fácil perder-se na
contemplação intelectual do caminho, e assim esquecer-se de que a estrada só
pode ser conhecida quando se caminha por ela.
Um paradoxo assustador se apresenta ao estudante já no início e o confronta
assumindo novas e estranhas formas em cada curva do caminho. Talvez esse
estudante tenha procurado o caminho desejando uma orientação, uma regra sobre o
que é certo para a conduta em sua vida.
Ele aprende que o alfa e o ômega, o começo e o final da vida é
altruísmo; e ele sente a verdade da afirmação de que somente na profunda
inconsciência do autoesquecimento a verdade e a realidade do ser podem
revelar-se ao seu coração sedento.
O estudante aprende que esta é a lei única do ocultismo, ao mesmo tempo
a ciência e a arte do viver, o guia para a meta que ele deseja alcançar. Ele
está cheio de entusiasmo e entra bravamente na trilha da montanha. Então ele
descobre que seus instrutores não encorajam seus voos ardentes de sentimento,
seu anseio pelo Infinito que o faz esquecer de tudo - no plano externo e
factual de sua vida e sua consciência. Pelo menos, se não eliminam seu
entusiasmo, eles lhe apontam, como primeira e indispensável tarefa, vencer
e controlar seu corpo. O estudante descobre que, longe de ser
encorajado a viver nos pensamentos sublimes de seu cérebro e fantasiar que
alcançou o éter onde está a verdadeira liberdade - com o esquecimento de
seu corpo, suas ações exteriores e sua personalidade - a ele são atribuídas
tarefas muito mais terrenas. Toda a sua atenção e vigilância são requeridas no
plano exterior; ele não deve nunca se esquecer de si mesmo, nunca descuidar de
seu corpo, sua mente, seu cérebro. Ele deve aprender a controlar a expressão de
cada detalhe, verificar a ação de cada músculo, dominar o mais leve movimento
involuntário. A vida diária à sua volta e dentro dele mesmo é assinalada como
objeto do seu estudo e da sua observação. Em vez de esquecer o que geralmente é
chamado de banalidades, pequenos descuidos e erros acidentais da língua e da
memória, ele é forçado a tornar-se, a cada dia, mais consciente desses lapsos
até que, finalmente, eles parecem envenenar o ar que ele respira e
sufocá-lo; até que ele parece perder a visão, e o contato, com
o grande mundo de liberdade pelo qual está lutando; até que cada hora e
cada dia parecem cheios do amargo sabor do eu, e seu coração sente-se
doente com a dor e a luta do desespero. E a escuridão fica ainda mais
profunda porque a voz interior grita incessantemente: “Esqueça de si mesmo.
Cuidado, do contrário você se torna autocentrado - e a erva gigante do
egoísmo espiritual firmemente se enraizará em seu coração; cuidado, cuidado,
cuidado!”
A voz leva seu coração até suas profundezas, porque ele sente que as
palavras são verdadeiras. Sua batalha diária e contínua o ensina que estar
autocentrado é a fonte do sofrimento, a causa da dor, e sua alma está cheia de
desejo de liberdade.
Assim, o discípulo é tomado pela dúvida. Ele confia em seus instrutores,
porque sabe que através deles fala a mesma voz que ele ouve em seu coração. Mas
agora eles dizem palavras contraditórias; a voz interna, a única, recomenda
esquecer de si mesmo totalmente, em prol da humanidade; a outra, a palavra
falada por aqueles de quem ele busca orientação, recomenda primeiro dominar
seu corpo, seu eu exterior. E a cada hora ele vê mais claramente como é
difícil aquela batalha com a Hidra, e vê sete cabeças crescerem novamente no
lugar de cada uma que ele decepou.
No começo ele oscila entre as duas coisas, ora obedecendo a uma, ora
obedecendo à outra. Mas logo ele aprende que isso é infrutífero. Porque o
sentido de liberdade e leveza que no princípio vem quando ele deixa seu eu
externo sem vigilância para que possa procurar internamente ar puro, logo perde
sua intensidade e um choque repentino lhe revela que ele escorregou, e caiu, no
caminho que vai montanha acima. Então, em desespero, ele se lança sobre a
traiçoeira serpente do eu e luta para sufocá-la até a morte; mas seus anéis
espiralados, sempre fugidios, evitam suas mãos; as tentações insidiosas de suas
escamas brilhantes cegam sua visão e, novamente, ele se envolve no turbilhão da
batalha que o vence dia a dia e que, finalmente, parece preencher o mundo
inteiro e apaga tudo o mais, exceto sua consciência.
Ele está cara a cara com um paradoxo esmagador, cuja solução deve ser
vivida antes que possa ser realmente entendida.
Em suas horas de meditação silenciosa, o estudante descobrirá que há um
espaço de silêncio dentro de si, em que ele pode se refugiar dos pensamentos e
desejos, do turbilhão dos sentidos, e das ilusões da mente. Mergulhando sua
consciência profundamente em seu coração, ele pode alcançar este lugar - a
princípio, somente quando ele está sozinho em silêncio e na escuridão. Mas
quando a necessidade de silêncio cresce, ele o procurará mesmo no meio da
batalha com o eu, e o encontrará. Ele apenas não deve abandonar seu eu exterior
nem seu corpo. Deve aprender a retirar-se em sua cidadela quando a batalha se
torna árdua; mas precisa fazê-lo sem perder de vista a batalha; sem se permitir
fantasiar que assim ele vencerá. Essa vitória só se conquista quando tudo é
silêncio fora e dentro da cidadela interior. Lutando desse modo, de dentro do
silêncio, o estudante descobrirá que resolveu o primeiro grande paradoxo.
Mas o paradoxo ainda o segue. Quando ele consegue retirar-se para dentro
de si mesmo, ele busca lá apenas refugiar-se da tempestade em seu coração. E
quanto mais ele luta para controlar as ondas de paixão e desejo, mais ele
compreende que gigantescos poderes ele jurou vencer. Ele ainda se sente, quando
não está em silêncio, muito parecido com as forças da tempestade. Como sua
força insignificante pode competir com esses tiranos de natureza animal?
Esta pergunta é difícil de responder em palavras diretas - caso haja uma
resposta para ela. Mas a analogia pode apontar o caminho onde a solução será
procurada.
Ao respirar, colocamos uma certa quantidade de ar nos pulmões e, com
isto, podemos imitar em pequena escala o poderoso vento do céu. Podemos
produzir uma fraca imagem da natureza: uma tempestade em copo d’água, uma brisa
para soprar ou mesmo afundar um barco de papel. E podemos dizer: “Eu faço isso,
isso é minha respiração”. Mas não podemos soprar nossa
respiração contra um furacão, menos ainda prender o vento em nossos pulmões. No
entanto, os poderes do céu estão dentro de nós; a natureza das inteligências
que guiam a força do mundo estão unidas à nossa natureza, e se entendermos isso
e nos esquecermos de nosso eu exterior, esses ventos poderão ser nossos
instrumentos.
Assim é na vida. Enquanto o homem apegar-se ao seu eu exterior - e
apegar-se a cada forma que ele assume quando sua “pele mortal” é deixada de
lado - ele estará tentando afastar um furacão com o sopro de seus pulmões. Tal esforço
é inútil e vão; porque os grandes ventos da vida, cedo ou tarde, o dominarão.
Mas se ele mudar sua atitude dentro de si mesmo, se
ele agir sabendo que seu corpo, seus desejos, suas paixões e seu cérebro não
são ele mesmo - embora ele esteja a cargo deles e seja responsável por eles -;
se tentar lidar com eles como partes da natureza, então poderá ter a
esperança de tornar-se uno com as grandes marés do ser, e de alcançar,
finalmente, o lugar pacífico do autoesquecimento.
Fonte: http://www.filosofiaesoterica.com/