domingo, 30 de outubro de 2016

Dia dos Finados - O Culto das Almas

Se você for aos cemitérios de Belém nas segundas feiras, vai encontrar diversos devotos acendendo velas em determinados túmulos, realizando orações e agradecendo graças alcançadas: o nome desse evento é o "Culto das Almas", que não é aprovado pela Igreja mas que possui vários adeptos pela cidade. Vamos entender um pouco mais sobre essa manifestação popular e também fazer uma reflexão sobre a morte e sua relação com nossas vidas.
Belo Mausoléu - Santa Isabel/Belém 
Não se sabe como se originou esse tipo de adoração nos cemitérios da cidade, em especial o de Santa Isabel e o da Soledade. Não existe um horário definido, mas a maior concentração de fieis é no final da tarde, entre 17 e 18 horas. O Culto consiste em solicitar uma graça ao túmulo do “santo popular”, como são conhecidos esses que atendem aos pedidos, mesmo não pertencendo à hierarquia de santos da igreja católica, e o devoto deve ir em 7(outros dizem 9) segundas feiras para agradecer/solicitar graças, acendendo velas ou depositando água mineral no espaço destinado às oferendas, espaço esse já feito pelos cemitérios para que não tenhamos prejuízo aos túmulos. Muitos desses “santos populares” possuem orações próprias.

Anjo e a Alma - Santa Isabel/Belém

Os túmulos visitados são de pessoas que tiveram uma vida em sua maioria normal - Donas de casa, crianças e grandes personalidades da cidade -, mas que sofreram alguma morte trágica ou simplesmente tiveram uma vida de serviço aos mais pobres e/ou de uma retidão exemplar.

Túmulo Dr Camilo Salgado - Santo Popular/Belém


Temos como exemplo o Doutor Camilo Salgado, médico paraense, nascido em 22 de maio de 1874 e falecido em 2 de março de 1938. Em vida foi médico generalista, ou seja, tratava de várias doenças e foi um dos fundadores da Sociedade Médico-cirúrgica do Pará, em 15 de agosto de 1914 e da faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, em 1919, sendo o primeiro presidente dessa instituição. Também foi vereador, governador interino e professor - em outras palavras, uma figura pública bastante conhecida. Sua fama era de sempre atender de bom grato os pacientes, sendo conhecido na cidade como um homem bom e preocupado com a saúde dos mais carentes. Após a sua morte, iniciou-se os comentários que fulano ou beltrano, quando estavam doentes e solicitaram ajuda ao caridoso doutor, conseguiram sua cura. Também há relato de operações espirituais orientadas por Camilo Salgado. A mesma fama também se refere ao Doutor Crasso Barbosa(1886-1919), mas em menor grau.

Moça do Táxi - Santa Popular/Belém


Outro caso famoso é de Severa Romana, que em 2 de julho de 1900 foi morta violentamente pelo amigo do companheiro dela que tentou manter relações sexuais à força com a mesma, crime que gerou grande comoção na cidade, pois a mesma estava grávida de 7 meses e manteve a fidelidade ao marido, por isso em seu túmulo está escrito “Assassinada em defesa de sua honra”. Temos também o caso singelo de Preta Domingas, mulher negra, escrava que cuidou com muito carinho do filho de um aristocrata da cidade e, quando o menino se fez homem, ergueu um belo túmulo para aquela que em sentimento foi sua mãe. A mesma faleceu em 25 de março de 1871.

Pequeno Templo para a criança Bianca Cunha (1978-1984)




Possíveis origens históricas.
Em civilizações antigas existia o culto aos antepassados, como era o caso em Roma, onde se orava e solicitava proteção aos ancestrais e em alguns momentos do ano (em especial no início de maio) se orava para que os espíritos se mantivessem afastados. "LARES" era o nome dado aos espíritos dos antepassados na Roma antiga. O culto tinha um caráter privado, com o fogo especial acesso e mantido pelo chefe da família e outro aspecto público, com procissões e oferendas nos túmulos dos mortos. Essa tradição, com a queda do império romano, pode ter se degenerado até o atual culto aos mortos que temos em diversas partes do mundo.

O Historiador Jean-Claude Schmitt, em “os vivos e os mortos na sociedade medieval”, relata que a igreja europeia definiu a segunda-feira como um dia ideal para rezar para as almas que sofriam no inferno e no purgatório pois, segundo se pensava, o ritmo das almas era parecido com o dos homens no que se refere ao calendário semanal. Acreditava-se que o sofrimento daquelas ganhava um descanso no sábado para domingo e reiniciava na noite de domingo para segunda; sendo assim, seria preferível rezar por elas no momento em que recomeçava seu suplício. Desse modo, começou um movimento na Europa para visita aos túmulos durante as segundas, acender velas, realizar orações e oferendas em missas, e essa tradição no decorrer dos séculos migrou para o continente latino-americano.

Santos Populares por Cemitério

- Santa Isabel, fundado em 1890, possui os seguintes santos: Josephina Conte, Doutor Camilo Salgado, Crasso Barbosa, Severa Romana.

- São Jorge, fundado na década de 60, possui os seguintes santos: Menina Diene Helen e os irmãos Marivaldo e Marinaldo do Nascimento

- Soledade, fundado em 1850, após um surto de febre amarela, cólera e varíola que matou mais de 30 mil pessoas na cidade. Possui os seguintes santos: Raimundinha Picanço, Preta Domingas, Crianças como Zezinho, Antônio e Cícero, escrava Anastácia.

Uma breve interpretação.


O Culto das almas não é aprovado pela igreja, tanto a católica quanto a Evangélica. Alguns setores do espiritismo aprovam e entendem como válida a relação dos devotos com seus santos populares, e outros mais ligados à doutrina original de Kardec indicam que as energias enviadas dos devotos para os “santos” apenas alimentam formas astrais de desencarnados, dessa forma, apenas mantendo neste plano entes que não deveriam estar mais conosco e que por consequência não são beneficentes para nenhum dos envolvidos. Enfim, deixamos o leitor livre para o entendimento do culto, mas o que podemos aprender com essa relação com os mortos?

Podemos notar que os cemitérios, neste contexto, ganham um novo ar, novo conceito, não mais de apenas “armazenador de lembranças” ou de corpos sem vida, mas um espaço de milagres, fé e esperança. Parece uma ironia, numa época tão materialista quanto a nossa, justamente em um local destinado à morte e à dor podemos reencontrar e reascender a chama da esperança. Nestes locais podemos encontrar verdadeiros “santuários” que representam seres sagrados e poderosos. Assim reinterpretamos a morte, tornando-a novamente o que para muitos sempre foi…VIDA. E por que não podemos dizer "vida e santidade"?...
Boas reflexões neste dia dos finados.


Santa Popular Josephina Conte - A moça do táxi



Anjo e a Alma - Santa Isabel/Belém

Representação da dor - Santa Isabel/Belém

Autor: Edmilton Furtado

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