terça-feira, 5 de abril de 2011

O Budismo e a Roda da Vida

             Em todas as antigas civilizações os símbolos foram considerados como portas que nos são abertas para o desconhecido, para uma compreensão intuitiva e para vivências que estão para além do que a nossa linguagem quotidiana expressa. Os símbolos são as pegadas do espírito, expressam as qualidades internas da Natureza. Cada um deles é um diamante com infinitas facetas, ou significados, e são a ferramenta indispensável para que a alma ascenda, degrau a degrau (símbolo a símbolo), àquilo que os místicos tibetanos chamariam «Luz que é Som, Som que é Luz - o Nirvana ou Espaço flamejante».




           Achamos os símbolos mais importantes do budismo na Escola Mahayana ou Grande Veículo, embora o Vajrayana ou Veículo de Diamante trate de fazer destes símbolos um instrumento de poder interno; e assim trabalha com eles em visualizações (mandalas), símbolos sonoros (mantras) e símbolos-gestos (mudras e danças rituais).


          Um dos símbolos mais importantes do Budismo Mahayana é a Roda da Vida e encontramo-la representada na entrada de quase todos os templos tibetanos. Nela estão representadas as correntes da existência fenomenal, Samsara, no seio da ilusão, Maya. Abraçando por completo a roda aparece um demônio de semblante pavo-roso. É Yama, o Senhor da Morte, que engole e dá nascimento, uma e outra vez, às criaturas dos seis modos de existência: deuses, demônios ou asuras, homens, animais, espectros esfomeados e moradores do inferno. Cada um deles é representado por um segmento da Roda, segundo se ilustra neste esquema.



A Roda da Vida


             Fora da Roda da Existência e da Dor encontra-se Buda, o Homem Verdadeiro e o Princípio da Iluminação, que assinala a outra Roda, muito mais bela, a Roda da Lei ou Roda do Dharma, de oito braços e que faz referência ao Nobre Caminho Óctuplo que pode libertar o Homem - só o Homem, segundo o Budismo, e não os outros cinco modos de existência - constituído por: opniões retas, intenções retas, palavras retas, conduta reta, meios de vida retos, esforço reto, atenção reta e concentração reta.

           Esta Roda simboliza, também, a Terra e a Roda do Karma que, segundo os seus próprios textos, mói de noite e mói de dia, pela qual transitam esforçadamente as almas de tudo quanto vive nela. O Buda é o Ser já livre das suas cadeias de sofrimento. Não podemos esquecer que em quase todas as civilizações antigas, a estrela de Oito Pontas representa Vénus.

           Tal como se indica no diagrama, no círculo mais exterior aparecem as Doze Nidanas, ou elos da cadeia, que arrastam para a existência e para a dor. Cada um dos elos, ou causas da existência, puxa por todos os outros, encerrando os seis tipos de seres vivos ou modos de existência. Todos os seres vivos giram sem cessar nos referidos estados de existência. No anel interior, o «d» do diagrama mostra como os seres sensíveis, como consequência do karma acumulado e das suas vitórias ou derrotas com o ego, se elevam ou caem na roda da vida, desde a condição de seres infernais à de um deus, desde a morada na luz divina - mesmo dentro da ilusão de samsara - até à descida na carne e no sangue dos seres vivos. No coração da roda de experiência e tortura, o egoísmo que a faz girar, é representado por:


1 - Um galo vermelho, símbolo da paixão e do sentido de posse.

2 - Um javali negro, os instintos obscuros e turvos.

3 - Uma serpente verde, emblema do ódio que envenena a vida.



              Estes três animais mordem mutuamente as suas caudas formando outro círculo, a avidez que leva ao ódio e este ao torpor e à obscuridade, que gera novos desejos... Constituem as causas - raiz (hetu) da existência não iluminada.

Quanto às causas, ou melhor, condições desta Roda da Dor, o círculo externo ensina, em doces imagens, os doze elos da cadeia. São as Doze Nidanas:

1 - A ignorância (avydia), simbolizada por uma mulher cega. A ignorância faz com que o homem erre na vida e que tenha uma imagem falsa do mundo e de si mesmo.

2 - A ação que trabalha e dá forma no plano da ilusão: samskara, representada por um oleiro. Pois é assim como modelamos o nosso carácter, o nosso destino, o karma, em definitivo. Com os nossos pensamentos, sentimentos e atos.

3 - Consciência (Vijnana), pois quando se abandona uma vida para entrar noutra é a consciência modelada que constitui o germen de um novo ser. Segundo os ensinamentos do Abidharma isto é válido não só de uma vida para a outra mas também de um dia para o seguinte e de um instante para o que lhe sucede. Está representada por um macaco que salta incansavelmente de ramo em ramo, pois assim dá mostra de uma consciência não educada, a que nos leva de uma ilusão para outra.

4 - O barqueiro é a personalidade: Nama-rupa, nome e forma. A forma é o barco e o nome o barqueiro. Ambos formam a personalidade que voga nas águas da ilusão, samsara. Em certas ocasiões aparecem dois barqueiros remando num mesmo barco para representar as relações entre o corpo e a mente.

5 - Os seis órgãos de sensação (chayadatana), que incluem os cinco sentidos e a mente. Faculdades que são como as janelas de uma casa através das quais percebemos o mundo exterior.

6 - Sparza, o sentido do tato, da nossa limitação no plano físico. É o contacto ou «chispa» que une os sentidos com o seu objecto e está representado como o primeiro encontro de dois namorados ou pelo olhar tentador de uma bela jovem.

7 - Vedana é a sensação, o resultado da união dos sentidos com aquilo que anseiam. Simbolizado por um homem atingido no olho por uma flecha. A flecha no olho não marca o carácter, mas sim a força da sensação e, talvez, as suas consequências dolorosas no futuro para aqueles que se deixam influenciar por ela.

8 - Mostra um bebedor que acaba o seu copo com avidez. É Trisna, a sede de viver. O amor, puro ou impuro; apego sensual aos objectos da vida comum ou amor pela humanidade de quem procura trabalhar pela sua libertação.

9 - Desta sede de viver surge o instinto de posse e conservação daquilo que desejamos, upadana, simbolizados por um macaco que recolhe frutos de uma árvore e os deposita num cesto.


10 - Bhava, que significa formação, é o agente kármico que conduz cada ser consciente a nascer num determinado modo de existência. Representado pela apaixonada união do homem e da mulher.

11 - Jaramarana, que significa o envelhecimento e a morte que nos acompanham minuto a minuto, tal como se vê aqui no homem que leva às costas um cadáver, envolto num sudário.

12 - Jati ou nascimento. A entrada na roda da existência representado por uma mulher grávida.


              Ensinam os sábios budistas que a figura monstruosa que aparece na Roda da Vida ainda que seja o senhor da morte, Yama, é um aspecto do Buda de Compaixão. Talvez seja, também, a própria Alma da Humanidade. Sendo que a referida Roda é, na realidade, um espelho que não faz refletir senão os nossos sentimentos, palavras e atos. É o egoísmo que torna nublada a imagem límpida que deveria aparecer em dito espelho, o superior de todos os espelhos, o da consciência. O espelho diante do qual cada um pronuncia o seu próprio veredito. Assim, o Primeiro Buda, Adi Buda, ou Luz Pura, reflete-se nos seis reinos da existência e a cada um deles aporta-lhes a salvação que necessitam dado o seu caráter. Não podemos esquecer que, ditos reinos vivem na mente humana, como presente, como passado ou como futuro. Vejamos que aspecto assume a Luz - uma salvadora em cada um destes reinos. É Avalokiteshvara, «o Senhor que olha desde o alto com bondade» que se submerge na roda da Dor para «salvar os infinitos seres». Conta a lenda que Avalokiteshvara, ao descer o olhar onipenetrante de sabedoria num mundo sofredor, sentiu uma compaixão tão profunda e foi tão ardente o seu desejo de conduzir todos os seres até à libertação que a sua cabeça estalou em múltiplas cabeças e do seu corpo saíram mil braços e mil mãos como uma aura radiante. E em cada uma das suas mãos abriu-se um olho, porque o seu impulso de compaixão também é de sabedoria. E o olho de Deus chega até ao coração da mais ínfima das existências.


1. No reino dos bem-aventurados deuses, Avalokiteshvara, ou o Buda, aparece com um alaúde, «para que os tons do Dharma despertem os deuses» e também para que não esqueçam que eles, que conhecem a medida de todas as coisas, não devem afastar-se da harmonia universal. É o Budha branco e o seu nome é «o Poderoso das Cem Bênçãos».



2. No reino dos furiosos Asuras ou Titãs, aparece com a espada em chamas. A ardente ânsia do Justo que combate a inércia e as forças do mal. Em vez de lutar pela conquista dos frutos da árvore que concede todos os desejos (Kalpataru), ensina-lhes o nobre combate para conseguir os frutos do conhecimento e libertar-se de todos os desejos. A espada flamejante é o símbolo da sabedoria que extingue a obscuridade da ignorância e rompe as ataduras da ilusão. É o Buda que ensina que o Nirvana não se mendiga, mas sim toma-se de assalto. O Buda dos Guerreiros, dos kchatryas que juraram defender os demais. É o Buda Verde e o seu nome é "Bem Heróico".


3. No mundo dos homens aparece como Buda Amarelo e o seu nome é «Leão do tronco dos Sakyas». Aparece em posição meditativa outorgando paz e segurança; como o sábio a quem todos podem expor as suas dúvidas e como o forte que a todos pode amparar. Em outros tankas aparece com bastão e bolsa de esmolas, como asceta. Ensina aqui que aquilo que é propriamente humano é ser filósofo, não apegar-se ao que nos rodeia. É o eterno peregrino que socorre os caminhantes e lhes ensina o caminho da libertação. Para o budismo, a salvação só é acessível a partir deste modo de existência e não desde outros, havendo que esperar encarnar como homem para que se abra a porta da libertação. O homem é um ser que escolhe e só o que escolhe e decide percorre o caminho, passo a passo. Como ensina o lama Angarika, o reino dos homens é o do esforço e da atividade consciente do seu fim.

4. É o reino dos espíritos sem repouso das paixões insatisfeitas, fantasmas num mundo de sombras. Aqui o Buda transporta um recipiente com objetos celestiais, inclusivamente com comida e bebida dos céus, o único que pode acalmar os que vivem neste inferno. Pois toda a outra comida e bebida converte-se em fogo, todo outro desejo satisfeito converte-se num desejo mais ardente ainda. É o Buda de cor de fumo, pois aos habitantes deste mundo custa-lhes discernir um Buda. E o seu nome é Dharmaraja, rei e guardião do Justo.

5. No reino dos animais transporta um livro. Pois é o conhecimento que liberta do medo próprio deste reino. O livro também representa a linguagem articulada e a capacidade de formular pensamentos que uniria as almas deste reino ao Dharma. O livro é também a cultura que faz deixar de ser bruto e ser escravo dos instintos. O Buda assume o nome do rei dos animais, «Leão indestrutível» e a sua cor é o azul.

6. No mundo dos pretas, ou demónios esfomeados, aparece como Buda vermelho e aparece sob o nome de «boca em chamas». A única coisa que pode alegrar a quem se acha nesta situação de contínua necessidade interior são as labaredas vermelhas da fé.

             O budismo ortodoxo considera estes seis reinos de existência como o «lugar» e estado de consciência em que encarnam as almas. Quer dizer, nesta vida pode-se encarnar como um homem e segundo o resultado dos seus méritos e deméritos pode-se fazê-lo como um deus ou como um animal ou, o que é pior, um espírito esfomeado na escuridão. No entanto intérpretes mais profundos destas doutrinas, como o Lama Chogyam Trungpa, fundador do movimento filosófico Shamballah, ou um século antes, H. P. Blavatsky, ensinaram que os referidos reinos são estados de consciência dentro da alma humana e, portanto, não são vidas sucessivas. Segundo estes sábios não existe involução para a consciência, sendo que esta avança sempre no seu caminho de perfeição, umas vezes livre e outras curvada sob o peso do karma. Quer dizer, a alma cada vez sabe mais, e é melhor, vida após vida, embora às vezes atravesse desertos e outros jardins. A alma humana, como muito bem expressara Platão no Fedro, já não pode converter-se num animal. Tanto no hinduísmo como no budismo filosófico, ditos «animais» representam estados psicológicos ou virtudes. Encarnar num elefante é símbolo de encarnar num futuro sábio; fazê-lo num tigre, num kchatrya ou guerreiro e assim com os restantes animais.
Buddha


             Assim, a alma humana move-se, projeta ou identifica-se com diferentes estados mais luminosos ou mais sombrios, identificados com estes 6 reinos da existência. E num só segundo poderia passar de um a outro. Existe uma morte e um renascimento em cada mutação da alma, em cada nova experiência verdadeiramente assimilada. E os distintos Budas que aparecem nesta Roda da Vida simbolizam a «chave da salvação» em cada um destes estados de consciência. Como já explicámos, se a consciência está num estado luminoso, deve manter a harmonia, se está num estado de «de deus de combate» (Asura), deve esforçar-se ardentemente numa acção que esteja dentro do Dharma, da Lei e não na perseguição de frutos egoístas. Se a consciência se encontra num estado «humano», deve ser filósofo, peregrino nas sendas da vida, tratando de ir sempre para a frente, procurando a verdade... E assim sucessivamente.
           Sou consciente de que um símbolo, quando é interpretado, exibe só uma sombra mental da quinta-essência luminosa que guarda, e que milhares de páginas não fariam senão afastar a leitor do ensinamento que um só símbolo pode fixar na alma. Mas também é certo que, sem ninguém que nos introduza no mundo maravilhoso dos símbolos, estes permanecem mudos... esperando.


José Carlos Fernández

Director da Nova Acrópole Portugal

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