segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Sânscrito - A Linguagem dos Deuses

Sânscrito - A Linguagem dos Deuses




Escuta, ó Senhor das águas misturadas! o imóvel dispersa-se. E o movente permanece.

Basavanna (século XII)

A LINGUAGEM DOS DEUSES

         O sânscrito é uma língua clássica da Índia. É a língua litúrgica do Hinduísmo, do Budismo e do Jainismo e uma das 23 línguas oficiais da Índia. Sendo uma das mais antigas línguas indo-europeias, a sua influência é sentida nos principais idiomas ocidentais, estando na origem de quase todas as línguas europeias à excepção do finlandês, estónio, húngaro, turco e basco.

        Tal como o latim e o grego na Europa Ocidental e o chinês clássico na Ásia Oriental, o sânscrito é considerada a base da maioria das línguas Indianas e está também presente em diversas línguas actuais não indianas como o vietnamita e o tailandês, entre outras. Sir William Jones, em 1786 num discurso proferido na Asiatic Society em Calcutá, considerou mesmo que o Sânscrito, o Grego e o Latim terão surgido de uma fonte comum, entretanto perdida.

        Sem dúvida que parte significativa da expansão do sânscrito e da propagação do seu impacto se deve ainda ao facto de as escrituras budistas, nomeadamente as da linha Mahayana, terem adoptado esta forma escrita. Por esta via, o impacto da língua estendeu-se ao Tibete, China e outros países do extremo oriental da Ásia.

      A sua presença na vida quotidiana do sub continente é ainda bem patente, tendo sido adoptado para o hino e diversos outros marcos de soberania e instituições, evidenciando assim uma função de língua franca e unificadora entre todos os indianos, contribuindo para cimentar o sentido de nacionalismo pós-independência. Em acréscimo, todas as descobertas e desenvolvimentos científicos indianos são denominados em sânscrito, à semelhança do que no ocidente se regista com o latim e o grego.

      Apesar de ser primeira língua de menos de 10.000 pessoas e ser segunda língua de cerca de 200.000, o sânscrito é considerado o repositório das escrituras Hindus, e a sua utilização é comum em rituais religiosos e mantras. Actualmente, diversos esforços estão a ser realizados para tornar o sânscrito uma língua viva e utilizada de forma quotidiana em maior escala.

     Pela sua sintaxe, o sânscrito é considerado uma língua ideal para programação informática, sendo a sua estrutura regular e matemática considerada uma característica assaz valiosa para esse efeito.

HISTÓRIA

         «O sânscrito é uma linguagem para expressar Aquilo que transcende as palavras», o que pode levar a que, a uma única palavra, corresponda uma ideia complexa (p.ex.: karma, samsara e tantas outras), advindo daí nítidas dificuldades de tradução. Assim sendo, o conhecimento do sânscrito mostra-se essencial para aprofundar a compreensão da religiosidade e filosofia de origem indiana.

         A palavra «sânscrito» pode significar «aquilo que foi bem feito», «refinado», «consagrado», «santificado» e assume popularmente o significado de «a linguagem dos Deuses». O seu alfabeto - o devanagari, «a escrita da cidade dos Deuses» - é uma escrita alfabeto-silábica usada desde o século XII por diversas línguas como o hindi, o kashmiri e o nepali, entre tantas outras. No entanto, virtualmente, todos os sistemas de escrita do sul da Ásia terão sido usados para a produção de textos em sânscrito sendo os mais antigos (século III a.C.) atribuídos ao imperador Ashoka, um dos grandes impulsionadores do budismo.

          Entre as formas simplificadas de sânscrito destaca-se o Pali, língua na qual foi registado o cânone do budismo theravada.

          O sânscrito pode ser dividido em Clássico e Védico e o mais antigo tratado gramatical que se conhece, Ashtadhyayi da autoria de Panini, remonta ao século V a.C., tendo sido, posteriormente, comentado por diversos autores, entre os quais Patanjali. No entanto, o desenvolvimento do sânscrito terá sido iniciado cerca de 1500 a.C., sendo nesta língua os manuscritos mais antigos da literatura universal - os Vedas. É de salientar que existem evidências que apontam para uma tradição oral «védica» anterior à forma escrita, consequência directa do facto de estes ensinamentos serem considerados incriados e eternos, «a linguagem da realidade» e revelados aos rishis - indivíduos dotados de uma capacidade especial de percepção destes sons eternos. Cada palavra apresenta, assim, um significado inato e eterno, mostrando o seu poder místico quando correctamente pronunciada. Consequentemente, um aprendizado ou repetição errónea dos Vedas era considerado um pecado potenciador de nefastos e imediatos efeitos. Trabalhos recentes, nomeadamente o de Vagish Shastri, propõem o desenvolvimento de um método mnemónico de aprendizagem do sânscrito, baseando-se, para isso, numa gramática de características matemáticas.

          O sânscrito védico apresenta claras semelhanças com o Avestan, base das escrituras do Zoroastrismo. O núcleo dos quatro Vedas - «conhecimento» ou «corpo de conhecimento», em sentido literal - é composto por mantras e textos religiosos.

          O Rig Veda («Sabedoria dos Versos») regista um estágio prematuro da religião védica e inclui referências a eventuais acontecimentos históricos, sendo a sua composição datada entre 1700 a.C. e 1100 a.C. No entanto, diversos teóricos, tais como Bal Gangadhar Tilak, encontram neste texto referências astronómicas tão antigas quanto o ano 4000 a.C. É ainda no Rig Veda que se apoiam diversos opositores da Teoria da Invasão Ariana, segundo a qual, os habitantes dos vales do Indus e do Sarasvati - dravidianos - terão sido invadidos e dominados por nómadas - arianos. No entanto, de acordo com o Rig Veda, estes dois povos sempre coexistiram. Desde a sua redacção, o Rig Veda tem sido dividido em duas versões: o Samhitapatha (para recitação) e o Padapatha (para memorização).
 
          A tendência interpretativa actual do Rig Veda baseia-se numa vertente mais simbólica e mística, assente em processos transcendentais, numa perspectiva infinita do universo e numa categorização do conhecimento em inferior (relacionado com os objectos) e superior (relativo ao sujeito que percebe).

          O Sama Veda («Sabedoria dos Cânticos») é o segundo mais importante Veda e consiste, principalmente, de hinos retirados do Rig Veda e destinados a serem cantados pelos sacerdotes no decorrer das cerimónias religiosas. Existem, no entanto, algumas variações entre os textos de estes dois Vedas, sendo que a versão constante no Sama Veda aparenta ser mais antiga e original que a do Rig Veda.

           O Yajur Veda («Sabedoria dos Sacrifícios») inclui textos religiosos relativos à liturgia, rituais e sacrifícios e execução dos mesmos. Existem duas samhitas (colecções), Shukla e Krishna, incluindo, o primeiro, comentários adicionais e instruções detalhadas. O Shukla Yajur Veda apresenta duas variantes «regionais» e do Krishna Yajur Veda existem quatro versões. É nesta última colecção, Krishna Yajur Veda, que se pode encontrar o conhecido Gayatri mantra:

Om, bhuh, bhuvah, svah

tat savitur varenyam, bhargo

devasya dhimadhi, dhiyo yo nah pracodayat.

Om svah

(«Meditamos sobre a Luz Divina do adorável Sol da Consciência Espiritual que estimula nosso poder de percepção espiritual.»)

            Para além da perfeição linguística decorrente da sua característica matemática, já anteriormente mencionada, algo mais faz com que o sânscrito perdure, apesar dos milénios decorridos, e ganhe um novo interesse no mundo actual. A capacidade que esta língua mostra para excitar o cérebro é complementada com o poder revelado para tocar o coração de todos quantos a ouvem, estudam e praticam


          O Atharva Veda («Sabedoria dos Sacerdotes Atharvan»), do qual existem actualmente duas versões, terá sido composto por dois grupos de rishis - apesar de algumas tradições atribuírem parte deste Veda a outros rishis - e representa uma tradição paralela e independente da do Rig Veda e do Yajur Veda. Dos principais rituais cobertos pelo Atharva Veda destacam-se os de casamento e funeral. É também no Atharva Veda que surgem as primeiras referências médicas na literatura indiana, sendo identificadas as causas de diversas doenças e apontada a sua cura. Alguns autores defendem mesmo a teoria de que este será um dos textos mais antigos em que é descrita a função e utilização de antibióticos. Em acréscimo, este texto apresenta o relato de diversos conflitos e regista, de forma descritiva, diversas armas utilizadas nos mesmos. Parte das mais significativas contribuições para o pensamento filosófico ariano surge neste Veda, sendo abordada, nomeadamente, a origem das coisas. Sendo um ensinamento transmitido, inicialmente, de forma oral, o mesmo terá sido corrompido por adições posteriores. No entanto, os hinos do Atharva Veda são consensualmente datados dos séculos XII a.C. a X a.C. (reinado dos Kurus).

            O final do período védico é marcado pela composição dos Upanishads (comentários aos Vedas que pretendem expressar a essência dos mesmos, elaborados nos séculos VII a.C. a V a.C.), revelando estes um conteúdo activador de uma mudança de orientação filosófica e religiosa, passando a ser privilegiado o ascetismo interior, o ser humano e as antigas técnicas de yoga e meditação dos drávidas em detrimento do culto exotérico e ritualístico ariano, como forma de ultrapassar maya (a ilusão da realidade percebida pelos sentidos) e unir atman (a alma) a Brahman (a verdade suprema).

          A forma mais significativa de Sânscrito Clássico, pós-Védico, surge nas grandes epopeias hindus Mahabharata e Ramayana.

          O Mahabharata (A Grande Índia), inicialmente denominado Jaya (Vitória) e iniciado nos séculos IV a.C. ou III a.C., é o maior épico da literatura mundial (oito vezes a Ilíada e a Odisseia juntas) e inclui a obra mais conhecida no ocidente, o Bhagavad Gita (o Canto do Abençoado). Tradicionalmente, a sua autoria é atribuída a Vyasa. Contudo, este terá sido o autor apenas da primeira composição tendo esta recebido acréscimos ao longo dos séculos, tornando-se assim num autêntico repositório cultural, mitológico, religioso e filosófico de toda a cultura hindu. Em termos gerais, a obra retrata o conflito registado entre os Pandavas e os seus primos Kuravas pelo controlo de Hastinapura e o papel de Arjuna e do seu mestre, Krishna, no desenrolar dos acontecimentos.

Bhagavad Gita

         Apesar de menor que o Mahabharata, o Ramayana (O Caminho de Rama) é equivalente a duas vezes a Ilíada e a Odisseia juntas, sendo a sua autoria atribuída a Valmiki (século IV a.C.). Tal como o Mahabharata, também o Ramayana evoluiu primeiro sob a forma oral, tendo sido passado à escrita muitos séculos depois da sua origem. O Ramayana ajudou ao desenvolvimento de uma religião mais popular e devocional e mais liberta dos sacrifícios. A obra retrata o exílio de Rama (inicialmente príncipe e, mais tarde, identificado com a sétima encarnação de Vixnu), o rapto da sua esposa, Sita, por Ravana, rei dos Rakshas, bem como a guerra de Lanka. A narrativa apresenta-se ainda como um conjunto de preceitos morais e éticos, orientadores da conduta e relacionamento humanos, assentando na observância do dharma.



A IMPORTÂNCIA DO SÂNSCRITO

Para além da perfeição linguística decorrente da sua característica matemática, já anteriormente mencionada, algo mais faz com que o sânscrito perdure, apesar dos milénios decorridos, e ganhe um novo interesse no mundo actual.

A capacidade que esta língua mostra para excitar o cérebro é complementada com o poder revelado para tocar o coração de todos quantos a ouvem, estudam e praticam. É esta ligação linguística com os arquétipos, este acesso directo aos planos superiores, esta via dupla - da cabeça e do coração - que identifica verdadeiramente o sânscrito como a "linguagem dos deuses".



Pedro Denis

Fonte: http://www.nova-acropole.pt/curso.html



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