terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Era uma vez um rio

        Era uma vez um rio – diz uma velha tradição oriental – que corria mansamente no seu cómodo leito de barro. As suas águas eram turvas e nelas viviam peixes da cor do chumbo que buscavam o seu alimento no lodo.


      Como era muito pouco profundo, nenhum ser humano ainda se ti­nha lembrado de fazer uma ponte sobre ele, conformando-se apenas em colocar algumas pedras no seu leito que improvisavam caminhos humidificados pelas lentas águas. Os animais dos bosques vagueavam pe­los lugares menos profundos, revolvendo as entranhas do rio com as suas patas. Para beber iam ao lago mais próximo, porque as águas do rio eram escuras e cheiravam mal.


      Mas o Deus Indra, que tudo vê, apiedou-se do Génio do rio, pois sem ser tolo, comportava-se como tal, entorpecido pela inércia e co­mo­di­dade, já acostumado a que pisassem o seu corpo, que era húmido e hediondo como uma víbora morta. Com o passar do tempo, o rio con­formou-se com os caminhos mais suaves e evitava os declives violentos. Era mudo, feio e as belas Ondinas e Fadas dos ribeiros não se aproximavam dele, nem sequer para fabricarem os seus espelhos mágicos nas noites de Lua Cheia.

       Um dos Servidores de Indra secou a terra à frente dele e levantou-a de forma que o obrigou a desviar-se. Ao princípio assustado, o velho rio começou a gemer, mas logo descobriu o prazer de saltar sobre as pedras e, com um rugido, abateu árvores e abriu caminho, saltando abismos e arremetendo contra enormes penhascos.

      A sua água fez-se límpida ao filtrar-se através das areias e pedregulhos; o seu fundo voltou a ser de pedra e, às vezes, de metal, cujos veios brilhavam no seu leito como os ígneos látegos de Indra quando conduz os Maruts.

      Do seu seio, outrora escuro e lôbrego, nasceu a espuma branca, pois esta não aparece se não houver luta, se não houver purificação.

      Nele habitaram peixes coloridos que sobem o rio e as claras lagoas, que ia deixando nos seus flancos, recortadas em formidáveis rochas, foram o assombro dos Elementais das águas. Com o titilante reflexo das estrelas, as Ninfas fizeram os seus pentes mágicos e extraíram dos profundos remansos os espelhos encantados.

     Os humanos já não o pisaram, mas elevaram arcos de triunfo sobre ele, a que chamaram pontes.

     Os animais cruzavam-no nadando, e logo comentavam, limpos e brilhantes, a força do rio. Por fim, quando chegava à sua Mãe Ganga, era recebido com ovações pelas outras águas que a ele se abraçavam gritando de alegria.

     E vendo tudo isto e outras coisas mais que não vos conto, Indra pensou em muitos seres humanos que não aproveitam as suas oportunidades e continuam a ser rios lentos e barrentos, carentes de valor e de glória. Então, duas lágrimas correm pelo seu rosto candente, e assim aparecem nuvens, e tudo na natureza se torna cinzento, lamentando a estupidez humana.

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